O que é ser de direita, esquerda ou centro na política?
Nicole D’Almeida, Colaboração para o UOL, 29/09/2022
Direita, esquerda ou centro? Sempre que o assunto é política, essas palavras rodeiam as conversas. Mas, afinal, você sabe qual é a diferença entre essas posições políticas e quando surgiram esses termos?
Imagem: AGÊNCIA BRASIL
Segundo Pablo Holmes, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), não existem critérios absolutos que definem conceitualmente todo o campo da esquerda ou da direita. De acordo com o especialista, a diferença entre os dois lados é posicional e não de uma definição teórica.
“Quando a gente fala direita e esquerda, muitas vezes a gente bota na direita o liberalismo e o conservadorismo e na esquerda o socialismo ou o comunismo, mas na verdade existem liberais que são mais à esquerda e existem socialistas, social democratas, que são mais liberais”, alerta Holmes.
Guilherme Arbache, cientista político da Universidade de São Paulo (USP), diz que os sentidos dos termos são diferentes para cada pessoa, em cada local e época. Os especialistas tentam explicar que não há como dividir a política em dois grandes blocos e que o assunto é mais complexo do que se imagina.
Para ilustrar esse argumento, Marco Antonio Teixeira, cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) usa Cuba como exemplo. “Por mais que Cuba seja um país de esquerda, em tese, porque pratica doutrina socialista, é um governo conservador que não admite mudança e que impede qualquer tipo de debate público que coloque em risco o espaço social. Então defender Cuba hoje não necessariamente é ser de esquerda”, afirma.
Outro país que pode exemplificar o que os cientistas políticos querem dizer é a China, comunista que “não tem liberdade política de oposição, mas com uma liberdade enorme para você empreender. Então é um país com uma forte presença do Estado, mas de natureza capitalista”, pontua Teixeira.
Qual a origem dos termos esquerda e direita?
As posições políticas (esquerda e direita) se originaram em Paris no ano de 1789, após a Revolução Francesa.
No ano anterior, o rei Luís XVI havia convocado os estados gerais (composto por representantes dos Três Estados: clero, nobreza e burguesia) que deveriam discutir a grande crise financeira do país. Os estados gerais acabaram se tornando a Assembleia Nacional e, ainda no mesmo ano, a Assembleia Nacional Constituinte.
Em uma das reuniões, surgiu a questão de qual seria o poder de veto e quais seriam os limites do rei. Durante os debates, uma parte dos deputados ficaram do lado direito da Assembleia. Eles queriam que o rei tivesse mais poderes e que não houvesse ruptura com a ordem tradicional e a monarquia. Já à esquerda da Assembleia ficaram aqueles que queriam impor um limite aos poderes do rei – e os radicais que queriam a abolição da monarquia.
Desde então, esses termos passaram a ser associados para diferenciar ideias políticas entre grupos que defendem a manutenção do status quo ou querem transformações.
O que é centro na política?
Guilherme Abarche afirma que os partidos de centro são aqueles que conciliam visões de igualdade, uma bandeira mais à esquerda, com preocupações como liberdade individual. “Procuram conciliar visões pró-mercado e crescimento econômico com justiça social”, explica.
É importante não confundir os partidos de centro com oportunismo, ser em cima do muro ou até mesmo com o “centrão” que existe aqui no Brasil.
“Uma posição de direita hoje se recusa a discutir a dimensão de gênero. Uma posição de direita hoje é francamente contra a política de cotas. Uma posição de direita hoje é muito mais defensora da produção do que de uma proteção ambiental. E uma posição de centro já tenta sintetizar as duas coisas. Dá pra você ter desenvolvimento econômico equilibrando com a preservação ambiental”, exemplifica Teixeira.
O que é esquerda na política?
Em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política”, Norberto Bobbio diz que a esquerda defende a igualdade, distribuição de renda mais igual e uma maior justiça social. Neste contexto, é papel do Estado atuar para a redução das injustiças.
Educação
Segundo Teixeira, a esquerda foca em uma educação mais emancipatória e contextualiza o ambiente que o aluno vive, as relações sociais. Ou seja, uma educação que tende para a cidadania e para valores. “O conservadorismo também pode dar uma ênfase a esse tipo de educação, mas pensando em valores diferentes, mais tradicionais”, acrescenta Arbache
Além disso, a esquerda defende o investimento na educação pública, lembra o cientista político da USP.
Economia
Arbache explica que a esquerda defende uma maior igualdade social, maior regulação do sistema financeiro e maior intervenção do Estado na economia.
“O desemprego é um pouco mais preocupante para a esquerda, em geral”, explica o especialista.
Ainda segundo Arbache, nos tempos modernos, a esquerda também pode favorecer o empreendedorismo, a facilidade de abrir e fechar empresas, por exemplo. “Em países como Uruguai, e os países escandinavos, governos de esquerda souberam aprimorar a facilidade de se fazer negócios”, exemplifica Arbache.
Gastos Públicos
“A esquerda é mais favorável a aceitar déficits fiscais para que se possa investir em educação, saúde e políticas sociais”, diz Arbache.
Saúde
Arbache explica que a esquerda acredita mais em saúde universal e gratuita para todos, modelos como o SUS, por exemplo.
O que é a direita na política?
De acordo com o economista e cientista político Luiz Carlos Bresser-Pereira, a direita defende um papel do Estado mínimo, limitado à garantia da ordem pública, dando preponderância para o mercado na coordenação da vida social.
Educação
Segundo Arbache, a direita, sobretudo a direita liberal, defende uma educação mais técnica, com profissões que possam ser mais úteis à economia. Defende ainda a educação privada, inclusive com a distribuição de vouchers do Estado, para o financiamento da educação dos mais pobres por meios privados.
Economia
Arbache explica que a direita tende para um maior crescimento econômico, o conceito laissez faire (deixe estar, em tradução livre), ou seja, o mercado deve funcionar livremente e sem interferência do Estado.
“A direita tende a se preocupar mais com questões monetárias como a inflação“, explica.
De acordo com Marco Antônio Teixeira, as ideias de que as empresas são pouco objeto de regulação estão mais próximas da direita. “Elas podem atuar mais livremente, podem ter sua produção com pouca legislação ambiental e as leis trabalhistas são muito flexibilizadas”, explica o cientista político.
Gastos Públicos
“A direita tende sempre a ser mais favorável ao corte de gastos”, explica Arbache. “[Para] gastos, por exemplo com Defesa e militares, a direita tende a ser mais simpática”, acrescenta.
Saúde
Segundo Arbache, a direita até aceita um papel para o Estado, no entanto, é mais voltado para o investimento privado na saúde.
Nicole D’Almeida, colaboração para o UOL, 29/09/2022