Os quatro desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que são alvos da Operação Faroeste acabaram de se tornar réus no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em votação unânime, os ministros da Corte Especial seguiram o voto do relator, ministro Og Fernandes, no recebimento das denúncias contra os desembargadores Gesivaldo Britto, presidente do TJ-BA à época, José Olegário Monção Caldas, Maria da Graça Osório Pimentel e a ex-presidente da Corte, Maria do Socorro Barreto Santiago. Todos vão responder pelo crime de lavagem de dinheiro.

No processo em questão, o Ministério Público Federal (MPF) acusa os magistrados baianos de atuarem em uma organização criminosa, que operou em 2013 e 2019, em prol de um esquema de venda de sentenças relacionadas a casos de grilagem de terra no Oeste baiano (saiba mais aqui).

Desde que foi deflagrada, em novembro passado, a operação já culminou no afastamento dos quatro desembargadores, além da prisão de Maria do Socorro (saiba mais aqui), e de três juízes. Veja abaixo alguns detalhes sobre o voto do relator para aceitar a denúncia contra cada um.

MARIA DA GRAÇA OSÓRIO

Em relação à desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel, o ministro Og Fernandes defendeu o recebimento por afirmar que existem “diversos elementos” que indicam que ela participava de esquema de venda de sentenças.

Até ser afastada, Maria da Graça Osório ocupava o cargo de 2ª Vice-Presidente do TJ-BA. O ministro frisou que após o oferecimento das denúncias, outras providências foram desenvolvidas, e que é possível ter novas informações no futuro. “Porém, no momento, eu tenho que trabalhar em cima daquilo que consta desse processo”.

Os advogados da magistrada chegaram a pedir a nulidade do processo por causa da colaboração de um dos acusados, mas Og Fernandes frisou que tanto a colaboração quanto a operação citadas não são tratadas por essa denúncia – já que foram alvo apenas da última fase da Faroeste – e não foram juntadas no processo.

O relator apontou como uma das evidências apresentadas pelo MPF o registro de 28 telefonemas entre a denunciada e Adailton Maturino, e 4 contatos de voz entre os dois, de 2013 a 2014. “A desembargadora foi ouvida e atribuiu essa ligação à mãe de Adailton, que faria orações para ela. Porém, essa versão não se mostra verossímil, tendo em vista o contexto – datas estratégicas em momentos de ações específicas para o grupo”, detalhou.

Outra questão destacada por Og Fernandes foi o fato da investigação ter encontrado 57 contas bancárias em seu nome, além da movimentação financeira de valores incompatíveis com seu rendimento entre janeiro de 2013 e dezembro de 2019.

“Ao tomar tantos empréstimos, a denunciada aparentemente tenta justificar as entradas em pagamento, mas não revela como realizava o pagamento das vultosas quantias sem prejudicar seu sustento”, relata. “A realização do período prolongado de sucessivos contratos, sem que se esclareça a forma de pagamento das parcelas, sem que isso represente a mudança no padrão de vida”, para o ministro, pode indicar uma “simulação da origem ilícita de valores”. 

“É importante salientar que esses elementos contradizem, e muito, o depoimento da desembargadora, que disse que tinha dificuldade financeira por empréstimo e problemas de saúde”, complementa. Og disse ainda que “outra coisa digna de nota é que Karla Leal [sobrinha de Maria da Graça], apontada como sua operadora, é apresentada simultaneamente pela defesa como pessoa jovem, bem sucedida, mas ao mesmo tempo precisando de ajuda financeira de sua tia e com problemas de saúde”, conclui.

JOSÉ OLEGÁRIO 

Em relação ao desembargador José Olegário Monção Caldas, o relator votou pelo recebimento da denúncia por entender que as investigações trariam “como indício relevante de aproximação” dele o fato de um agravo interposto pela Adey Táxi Aéreo contra um hangar ter sido encontrado na sala utilizada por Adailton Maturino. 

“Olegário afirmou em suas alegações que só passou a manter contato com Maturino em 2016, fato ratificado pelo senhor Adailton. Porém, rastreio eletrônico mostra contato entre os dois nos anos de 2015 e 2016”, aponta Og Fernandes. Um relatório da Polícia Federal (PF) apontou que foi encontrado no celular da mulher de Olegário uma mensagem que tratava sobre a disputa de terras no Oeste baiano. O relator cita ainda valores altos movimentados pelo desembargador. “O denunciado afirmou que esses valores haviam sido pagos pela venda de uma fazenda, mas não apresentou comprovação disso”.

MARIA DO SOCORRO

Entre as razões apontadas para aceitar a denúncia contra a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, está o fato de que pouco depois da designação do juiz Sérgio Humberto para a comarca da região, houve o cancelamento das matrículas de José Valter Dias, o que beneficiou o grupo de Adailton Maturino. Além disso, os investigadores teriam encontrado, durante a busca e apreensão no seu gabinete, anotações de pedidos para influenciar o governador e magistrados para favorecer a Adey Táxi Aéreo.

O ministro ainda lembrou que “não se pode deixar de mencionar que ela descumpriu a cautelar” ao entrar em contato com uma servidora, solicitando que não entregasse um celular aos agentes, e que ela é proprietária de mais de 100 obras de arte.

“Sendo cumprida nova busca e prisão preventiva, a PF apreendeu comprovantes de depósito feito por sua empregada doméstica no valor de R$ 9 mil, em benefício de Marcelo Henrique Ferreira, que teria endereço em Brasília. (…) O que eles têm de registro é a compra de obra de arte no nome da doméstica”, detalhou, sugerindo a utilização de “pessoa interposta” para movimentar recursos da desembargadora.

GESIVALDO BRITTO

Em relação à denúncia contra o ex-presidente do TJ-BA Gesivaldo Britto, Og Fernandes trouxe a identificação de 51 ligações entre o desembargador, seu assessor Antônio Roque, Adailton e Geciane Maturino. Também foram localizadas transferências feitas por Júlio César, além de uma planilha em um pen drive de Antônio Roque, suposto operador de Gesivaldo, com abas de planilhas de bens. 

“Há um emaranhado de informações que não favorecem. […] Há elementos suficientes para o recebimento da denúncia nos mesmo termos aos anteriores”, completa. 

JUÍZES DENUNCIADOS

Além dos desembargadores, três juízes que integram o Poder Judiciário baiano foram denunciados: Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, Marivalda Almeida Moutinho e Márcio Reinaldo Miranda Braga.

O ministro aceitou a denúncia contra o Sérgio Sampaio, que foi designado pela desembargadora Maria do Socorro para atuar no Oeste. No caso dele, o relator pontuou incompatibilidade com seus rendimentos financeiros e conversas que indicam o recebimento de propina. De acordo com Fernandes, há ainda informações de que Sampaio costumava viajar para o interior baiano, pilotando avião, o que “demonstrava atitude aparentemente incompatível com o cenário financeiro dele, embora a defesa tenha ressaltado hoje que ele é oriundo de família com posses”.

Quanto a Marivalda, ele também citou a identificação de valores incompatíveis com os rendimentos dela, com base no relatório de transações financeiras.

Já o juiz de Direito Márcio Reinaldo Miranda Braga foi denunciado pelas supostas ações que visavam acelerar os trâmites ilícitos, mascarando as irregularidades. Para o ministro Og Fernandes, “há justa causa para a acusação, levando-se em consideração, inclusive, a velocidade máxima dada para aparência de legalidade dada ao protocolo de acordo na região do Oeste”, justificou, citando a cronologia dos fatos apurados.

SUPOSTOS OPERADORES

Os demais denunciados foram apontados pelo MPF como “operadores do esquema”. O principal deles é o falso cônsul da Guiné-Bissau, Adailton Maturino, que está preso (saiba mais aqui). Ele é apontado como “idealizador da organização criminosa”, responsável por gerir a compra e venda de sentenças. 

Ao longo do seu voto, o ministro pontuou o histórico de Maturino, com CPF irregular, prisão por furto de um processo judicial no Piauí e outras irregularidades. No âmbito da Operação Faroeste, o homem teria utilizado sua “enorme capacidade de conciliar e estabelecer empatia por terceiros” para cometer delitos.

Junto a ele, sua esposa, Geciane Souza Maturino dos Santos, também virou réu na ação. Da mesma forma, o STJ aceitou a denúncia contra José Valter Dias, favorecido com as decisões, e o filho dele Joílson Gonçalves Dias.

Ao aceitar a denúncia do MPF contra Karla Leal, sobrinha de Maria da Graça Osório, o ministro pontuou a ocorrências de 34 ligações com a tia, além de pedidos para que ela não tratasse de determinados assuntos por mensagem. A investigação indica que “apesar de não ser servidora, tinha intimidade com assessores de sua tia, inclusive o servidor Alexandre Barreiros Fonseca –  suposto responsável por elaborar as decisões favoráveis ao grupo”. 

Sobre Antônio Roque Neves, suposto operador de Gesivaldo Britto, o relator indicou que foi encontrado um pen drive com uma pasta denominada “despachos usucapião”, que citava o nome da juíza Marivalda Moutinho, “aquela juíza que o desembargador Gesivaldo indicou pra região do Ooeste quando teve que fazer a substituição do doutor Sergio”. 

“E é estranhável que justamente o chefe de gabinete do presidente tenha encontrado esse pen drive com decisões dela. Na mochila dele, foi encontrado ainda previsão da atuação da juíza Marivalda, o que mostra uma busca pelo direcionamento das ações judiciais”, afirma o relator.

Fernandes aponta que há indícios de que Antônio Roque atuava juntamente com advogados na busca de decisões judiciais favoráveis ao grupo. Ainda segundo ele, foi localizada uma caixa, segundo Roque, da esposa dele, com 21 cheques devolvidos por motivos variados de montante aproximado de R$ 121 mil. Alguns deles teriam o nome de Maturino. Além disso, foram identificados saques de mais de R$ 900 mil e depósitos que somam R$ 344 mil. Também há indícios de que o denunciado teria convivência próxima com Maturino, como fotos e viagens internacionais. 

Sobre Márcio Duarte Miranda, genro de Maria do Socorro, Fernandes aponta que a desembargadora já estava sendo investigada antes de ser incluída na ação, e que há uma interceptação telefônica em que ele se mostrou preocupado com suas ligações, preferindo falar por aplicativo de mensagem. Além disso, haveria “exuberantes indícios” de lavagem de dinheiro.

“É notável observar que quando houve a ordem de bloqueio dos bens pertencentes ao denunciado, com todo esse conjunto de bens e capitais que mencionei, só foi possível bloquear R$ 181,35”, citou.

Assim como a maioria dos investigados, Júlio César Cavalcanti Ferreira também foi implicado por interceptações telefônicas. Segundo o ministro Fernandes, nas ligações, ele reclamava da movimentação feita por terceiros e discutia decisões de modo que evidenciava interferência das partes no processo. 

“Eu preciso de R$ 300 mil hoje, a lancha vai chegar hoje”, teria dito em uma das conversas. Esse e outros diálogos foram interpretados pelo relator como evidência de que ocorria lavagem de dinheiro.

Fonte: Bahia Notícias